Sabe-se que durante o processo de envelhecimento diversas mudanças ocorrem no organismo, o trato gastrointestinal também sofre essas mudanças, sendo algumas delas: degeneração do sistema nervoso entérico, alteração da motilidade do intestino e da barreira mucosa com redução da função de defesa, o que, por si só, já pode ser responsável por várias patologias. Essas funções geram uma mudança na microbiota intestinal (conjunto de microrganismos presentes no organismo humano), com consequências no eixo intestino-cérebro. Essas alterações na composição da microbiota intestinal têm sido associadas a doenças inflamatórias do intestino, distúrbios metabólicos, diabetes, doenças cardiovasculares, câncer colorretal, constipação intestinal e fragilidades que podem ocorrer no idoso.
A microbiota tem um papel muito importante nos mecanismos de defesa contra bactérias patogênicas, mas em idosos, ocorre um declínio nas funções corpóreas, e com isso, o sistema imunológico é diretamente afetado, podendo resultar na instalação de infecções oportunistas, que vulnerabiliza ainda mais o idoso e o deixa mais suscetível a doenças e problemas agravantes na saúde. Foi observado que bactérias como Actinobacteria e Bifidobacterium, responsáveis por diminuir as respostas pró-inflamatórias, diminuem com a idade; já a Proteobacteria , que é um grupo de bactérias indutoras de inflamação, aumentam com a idade. A perda de paladar, olfato e perda de apetite em pessoas de maior idade se justifica como uma consequência da diminuição no número de bacteroides e bifidobactérias no envelhecimento.
As mudanças na microbiota intestinal relacionadas à idade iniciam após uma idade determinada geneticamente e ambientalmente (geralmente, após os 65 anos), dependendo de características individuais relacionadas à raça, etnia, uso de drogas, estilo de vida, hábitos alimentares, uso de antibióticos, estresse e estado imunológico, aumentando o número de microrganismos nocivos à saúde.
Além dos fatores citados acima, a disbiose pode ser considerado como um fator desencadeante para disfunções na microbiota; disbiose é a redução das colônias de bacterioides, bifidobacteria e crescimento de anaeróbios facultativos, aumentando as bactérias patogênicas e diminuindo as que auxiliam no processo de homeostase; ou seja, o desequilíbrio entre bactérias protetoras e patogênicas.
A disbiose pode causar a multiplicação de bactérias patogênicas e, consequentemente, a produção de toxinas metabólicas que podem exacerbar os processos inflamatórios. As possíveis causas da disbiose são a má alimentação, a idade avançada, o estresse, a má digestão, o tempo de trânsito intestinal, o PH intestinal, entre outros. Como já mencionado, no envelhecimento, pode ocorrer uma redução das colônias de bacteroides, bifidobactérias e uma menor produção de ácidos graxos de cadeia curta, e também o crescimento de anaeróbios facultativos, como fusobactérias, clostrídeos, eubactérias e maior atividade proteolítica. Essas variações podem ser atribuídas à dieta, pois os alimentos consumidos servirão de combustível para as bactérias intestinais. Logo, uma dieta e hábitos inadequados poderão contribuir para o aparecimento da disbiose. A diversidade diminuída em comparação a pessoas mais jovens é algo característico na composição da microbiota intestinal dos idosos, além de uma abundância reduzida de espécies produzindo butirato e a presença de patógenos potenciais no organismo.
O uso de suplementos alimentares como os prebióticos e os probióticos estão sendo analisados como ações preventivas e terapêuticas, a ingestão regular destes suplementos está associada com uma maior produção de enterobactérias protetoras como os lactobacilos e as bifidobactérias. Os probióticos e prebióticos estão presentes na alimentação e atuam na manutenção da microbiota intestinal, gerando efeitos benéficos. Esses suplementos fazem com que as bifidobactérias produzam sais orgânicos, estimulando o peristaltismo, acelerando o trânsito intestinal e melhorando a constipação intestinal.
A baixa qualidade da dieta de pessoas idosas, juntamente com a atividade física diminuída, provoca uma diminuição da motilidade intestinal, alteração na fermentação bacteriana reduzida e uma microbiota fecal menos diversa. Isso é mais comum em idosos que vivem em instituições de longa permanência, por ter uma menor variabilidade dos alimentos. Essa baixa qualidade da dieta se refere a inadequação na ingestão calórica, de macro e micronutrientes, e do consumo insuficiente de fibras, devido ao baixo consumo de frutas. As mudanças fisiológicas e metabólicas que ocorrem durante o envelhecimento fazem com que o idoso se torne mais suscetível a quadros de desnutrição e deficiências nutricionais, ocasionando diminuição da força, fadiga, perda da autonomia e da qualidade de vida. Um dos fatores que podem favorecer o desenvolvimento desses quadros é o isolamento social decorrente da COVID-19.
A microbiota possui um papel muito importante no metabolismo de xenobióticos (compostos químicos estranhos ao corpo humano, como fármacos, pesticidas, plásticos, etc.), desta forma, a microbiota consegue converter fármacos inativos (pró-fármacos) em formas ativas, como no caso da sulfassalazina, usada no tratamento de colite ulcerosa. A microbiota também pode codificar enzimas que destoxificam os xenobióticos, resultando em alterações na eficácia e na toxicidade do fármaco. Sendo assim, é possível que a microbiota do idoso já não consiga processar os fármacos da mesma forma que uma microbiota jovem, podendo não converter corretamente formas inativas ou falhando em destoxificar os xenobióticos.
A modulação da microbiota intestinal pode ajudar a facilitar o processo de envelhecimento fisiológico e não patológico, e talvez, contrastar a progressão dos mecanismos degenerativos. Espera-se que essas intervenções possam ser benéficas para idosos, em especial, como efeito direto e indireto sobre a resposta imune, podendo modificar o risco de doenças infecciosas que são frequentemente observadas nos idosos, reduzindo indiretamente a hospitalização e cuidados a longo prazo.
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